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                   PLANO PILOTO PARA POESIA  CONCRETA  [ 1958] 
                              Por AUGUSTO DE CAMPOS, DÉCIO PIGNATARI e 
                    HAROLDO DE  CAMPOS 
                   
                  Manifesto da Poesia Concreta, publicada em  Noigrandres: no. 4, 1958. 
                    
                  Texto extraído do livro: 
                    
                  
                  TELES, Gilberto Mendonça.  Vanguarda europeia & Modernismo  brasileiro.   Apresentação e crítica dos  principais manifestos vanguardistas.  21ª.  edição.  Rio de Janeiro: José Olimpio,  2022.   658 p.    ISBN 978-85-5547-069-4             Ex. bibl. Antonio Miranda 
                    
                  poesia concreta: produto de uma evolução crítica de  formas. dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade  rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço  gráfico como agente estrutural. espaço qualificado: estrutura espaciotemporal,  em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear. daí a importância da  idéia de ideograma, desde seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual até o  sentido específico (fenollosa/pound) de método de compor baseado na  justaposição direta – analógica, não lógico-discursiva – de elementos. "il  faut que notre intelligence s’habitue à comprendre synthético-idéographiquement  au lieu de analytico-discursivement" (apollinaire). eisenstein: ideograma  e montagem.  
                  precursores: mallarmé (un coup de dés, 1897): o  primeiro salto qualitativo: "subdivisions prismatiques de l’idée";  espaço (blancs) e recursos tipográficos como elementos substantivos da  composição. pound (‘): método ideogrâmico. joyce (ulysses e finnegans  wake): palavra-ideograma; interpenetração orgânica de tempo e espaço. cummings:  atomização de palavras, tipografia fisiognômica; valorização expressionista do  espaço. apollinaire (calligrammes): como visão, mais do que como  realização. futurismo, dadaísmo: contribuições para a vida do problema.  
                  no brasil: oswald de andrade (1890-1954): "em  comprimidos, minutos de poesia". joão cabral de melo neto (nascido em 1920  – o engenheiro e psicologia da composição mais antiode):  linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso.  
                  poesia concreta: tensão de palavras-coisas no  espaço-tempo. estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes.  também na música – por definição, uma arte do tempo – intervém o espaço (webern  e seus seguidores. boulez e stockhausen; música concreta e eletrônica); nas  artes visuais – espaciais, por definição – intervém o tempo (mondrian e a série boogie-woogie; max bill; albers e a ambivalência perceptiva; arte  concreta em geral).  
                  ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema  concreto comunica a própria estrutura: estruturaconteúdo. o poema concreto é um  objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou  sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual,  carga semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse material.  fatores de proximidade e semelhança, psicologia da gestalt. ritmo: força  relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe  analógica, cria uma área lingüística específica – "verbivocovisual" –  que participa das vantagens da comunicação não-verbal sem abdicar das  virtualidades da palavra. com o poema concreto ocorre o fenômeno da  metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e  não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma  estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens.  
                  a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da  linguagem, daí sua tendência à substantivação e à verbificação: "a moeda  concreta da fala" (sapir). daí suas afinidades com as chamadas  "línguas isolantes" (chinês): "quanto menos gramática exterior  possui a língua chinesa, tanto mais gramática interior lhe é inerente"  (humboldt, via cassirer). o chinês oferece um exemplo de sintaxe puramente  relacional, baseada exclusivamente na ordem das palavras (ver fenollosa, sapir  e cassirer).  
                  ao conflito de fundo-forma em busca de identificação,  chamamos de isomorfismo. paralelamente ao isomorfismo fundo-forma se desenvolve  o isomorfismo espaço-tempo, que gera o movimento. o isomorfismo, num primeiro  momento da pragmática poética concreta, tende à fisiognomia, a um movimento  imitativo do real (motion); predomina a forma orgânica e a fenomenologia  da composição. num estágio mais avançado, o isomorfismo tende a resolver-se em  puro movimento estrutural (movement); nessa fase, predomina a forma  geométrica e a matemática da composição (racionalismo sensível).  
                  renunciando à disputa do "absoluto", a poesia  concreta permanece no campo magnético do relativo perene. cronomicrometragem do  acaso. controle. cibernética. o poema como um mecanismo, regulando-se a si  próprio: feedback. a comunicação mais rápida (implícito um problema de  funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor positivo e guia a  própria confecção.  
                  poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a  linguagem. realismo total. contra uma poesia de expressão, subjetiva e  hedonística. criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem  sensível. uma arte geral da palavra. o poema-produto: objeto útil.  
                  post-scriptum 1961: "sem forma revolucionária não há  arte revolucionária" (maiakóvski). 
                   Publicado  originalmente em Noigandres 4, São Paulo, edição dos autores, 1958 
                
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